Efeitos da Resolução da CIDH no Caso do Complexo Penitenciário do Curado - PE


O caso do Complexo Penitenciário do Curado vs. Brasil, levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, talvez esteja apto a nos responder prematuramente o questionamento deixado anteriormente nesta coluna: Como violamos direitos humanos?

Para uma breve contextualização, é importante dizer que o Complexo Penitenciário do Curado, está localizado na cidade do Recife, em Pernambuco e abriga três unidades prisionais (Presídio Juiz Antônio Luis Lins de Barros, Presídio Aspirante Marcelo Francisco Araújo, Presídio Frei Damião de Bozzano) sendo considerada uma das piores unidades do sistema. A demanda levada à Corte se deu em razão de  ter sido identificada uma situação de grave risco assim reportada, apontando o elevado índice de mortes violentas (6 mortes no ano de 2013, 55 mortes entre 2008-2013) dentro da unidade, bem como relatos de tortura e violência sexual, além do tratamento degradante decorrente da superlotação e más condições carcerárias’’ (CNJ, 2021).

Diversas foram as recomendações da Corte para minimizar a grave situação existente. Nesse sentido, na Resolução de 22 de Maio de 2014, a CIDH precisou (re)afirmar o óbvio para um Estado (social) democrático de direito: "o Estado tem o dever de adotar as medidas necessárias para proteger e garantir o direito à vida e à integridade pessoal das pessoas privadas de liberdade e de se abster, sob qualquer circunstância, de atuar de maneira tal que se viole a vida e a integridades das mesmas. Neste sentido, incluem a adoção das medidas que possam favorecer a manutenção de um clima de respeito dos direitos humanos’’

A grave situação, cumulada com o descumprimento e a omissão do Estado, nos leva a questionar qual o status em âmbito interno, dos Tratados e demais instrumentos internacionais que visam a defesa e proteção dos direitos humanos. Nesse sentido, a primeira regra das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela), preceitua que ’’Todos os reclusos devem ser tratados com o respeito inerente ao valor e dignidade do ser humano. Nenhum recluso deverá ser submetido a tortura ou outras penas ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos reclusos, do pessoal do sistema prisional, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada’’ é uma realidade não alcançada no Brasil, não só por estarmos diante do caso em comento, mas porque a realidade de todo o sistema aduz no reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional, conforme reconheceu recentemente o Supremo Tribunal Federal na ADPF 347 MC/DF. 

Uma das medidas determinadas pela Corte Interamericana, foi o cômputo em dobro das penas cumpridas no referido estabelecimento prisional, além da recomendação de que não ingressassem mais indivíduos naquele local, conforme item nº 6 da Resolução de 28 de novembro de 2018:  ‘’se compute em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no Complexo de Curado, para todas as pessoas ali alojadas que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas’’. 

No entanto, conforme dados do CNJ, entre maio de 2020 e maio de 2021, 979 pessoas ingressaram no Complexo do Curado, apesar da expressa proibição determinada pela Corte IDH. O estabelecimento segue em situação de superlotação com mais de 6708 pessoas, para uma capacidade de 1819 presos, conforme contagem divulgada em 24 de maio de 2021. Ainda, foi relatado que os juízes da Vara de Execução Penal local têm descumprido a determinação de cômputo em dobro do prazo para a progressão de regime. (CNJ,2021).

Diante da divergência, o Tribunal de Justiça de Pernambuco instaurou um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas visando uniformizar as questões controvertidas acerca da aplicação da Resolução da CIDH. No entanto, até o julgamento do mérito, a contagem em dobro do tempo de prisão no Complexo do Curado fica suspensa. 

A inobservância dos critérios pelos juízes e juízas brasileiras somados à ineficiência do aparelho estatal para aplicação e implementação das  medidas recomendadas pela CIDH no curso do processo finda por prejudicar todo esforço empenhado na garantia do respeito aos direitos humanos. Diante desse caso, questiona-se até quando o Estado coadunará com práticas de violação de direitos e permanecerá omisso, promovendo o encarceramento em massa?

Caroline Ribeiro

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Referências Bibliográficas

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 347 - MC/DF. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665>. Acesso em: 14 mai. 2022.

CIDH. Resolução de 22 de maio de 2014. Disponível em: http://arquivoanibal.weebly.com/uploads/4/7/4/9/47496497/23_resolucao_da_corte_interamericana_de_direitos_humanos_-_2014_05_22_curado_se_01_por.pdf. Acesso em: 14 mai. 2022. 

CIDH. Resolução de 28 de novembro de 2018. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/curado_se_06_por.pdf. Acesso em: 14 mai. 2022. 

Conselho Nacional de Justiça. Informe sobre as medidas provisórias adotadas em relação ao Brasil. Maio de 2021. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/06/CNJ-Informe-sobre-as-Medidas_Provisorias_adotadas_em_relacao_ao_Brasil-1.pdf Acesso em: 13 mai. 2022. 

Medidas Provisórias a Respeito do Brasil Assunto do Complexo Penitenciário de Curado, 2016. Disponível em:https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/curado_se_04_por.pdf. Acesso em: 14 mai. 2022. 

TJPE. Seção Criminal instaura Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas para analisar multiplicidade de processos em relação à contagem em dobro do tempo de prisão. Disponível em:https://www.tjpe.jus.br/-/secao-criminal-do-tjpe-instaura-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-para-analisar-multiplicidade-de-processos-em-relacao-a-contagem-em-dobr Acesso em: 15 mai. 2022. 

UN. United Nations standard minimum rules for the treatment of prisoners. 2015. Disponível em:https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/Nelson_Mandela_Rules-P-ebook.pdf. Acesso em: 14 mai. 2022.







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